Como os
agrotóxicos agem no seu corpo?
mai 28
2018, 1:41pm
Projeto de Lei em discussão na Câmara dos Deputados
pode aumentar quantidade de pesticidas na sua alimentação. Investigamos os
efeitos das três substâncias encontradas além do permitido nos pratos do
Brasil.
Um típico PF bem servido estava à
espera de Jorge, 43 anos, em um bar do centro de São Paulo, enquanto ele
terminava uma conversa amigável com um dos garçons do estabelecimento. Antes de
concluir a primeira garfada, o assessor contábil, ao ser questionado pela
reportagem da VICE, disse não fazer ideia sobre quais produtos foram usados na
produção dos alimentos que em poucos segundos invadiriam o seu organismo. Jorge
não é o único a desconhecer como os agrotóxicos estão inseridos no que
consumimos todos os dias. A depender do Projeto de Lei que tramita na Câmara
dos Deputados e que pode ser votado na próxima terça-feira (29), em Brasília, a
situação pode ficar ainda pior.
O “Pacote do Veneno”, como ficou
conhecido o PL nº 6299/2002, é de autoria do atual Ministro a Agricultura,
Blairo Maggi (PP-MT). Desde 2015, a proposta voltou a ser objeto de discussão,
com relatoria do deputado Luiz Nishimori (PP-PR), que pertence a bancada
ruralista. As mudanças na Lei dos Agrotóxicos, criada em 1989, prevê a
centralização das competências de normatização, registros e avaliação
destinadas ao Ministério da Agricultura. Atualmente, essas tarefas são
destinadas a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e ao Ibama
(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Outro ponto de discórdia está na
liberação dos pesticidas. Pelo novo texto, um produto poderá ser registrado de
maneira temporária, sem avaliação das agências reguladoras brasileiras, caso
tenha sido utilizado por ao menos três países pertencentes a OCDE (Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A nomenclatura também vai
mudar: sai “agrotóxico”, entra “defensivo fitossanitário”.
Entidades como a Anvisa, o Ibama
e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) manifestaram-se contra a medida, alegando
risco à condição humana no uso excessivo de agrotóxicos. Para entender melhor o
que está acontecendo, a VICE consultou dois pesquisadores para mostrar como
três substâncias encontradas além do permitido no último relatório produzido
pelo PARA (Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos)¹, entre
2013 e 2015, podem atuar no organismo.
Acefato
Onde
costuma ser mais usado: melão, tomate e soja.
Detectado irregularmente em 18
dos 25 alimentos apontados no relatório, o Acefato já foi proibido em mais de
30 países (28 só na União Europeia), de acordo com a PAN (Pesticide Action
Network International). “O acefato é um inseticida amplamente utilizado na
agricultura para o controle de pragas e é registrado para culturas importantes
como tomate, soja, algodão e melão. Tem degradação rápida, transformado-se em
outro inseticida, o metamidofós. Está entre as 10 moléculas mais
comercializadas no Brasil”, afirma o pesquisador Robson Barizon, da Embrapa (Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e doutor em Agronomia pela USP.
Em 2013, a Anvisa proibiu a aplicação do Acefato em estufas, de “forma manual
ou costal”, assim como “o banimento nas culturas de cravo, crisântemo, fumo,
pimentão, rosa e tomate de mesa”. “O acefato, quando utilizado acima do nível
permitido, pode causar uma intoxicação aguda: náuseas, vômito, dor abdominal,
diarreia, cianose, hipotensão, câimbras, diminuição dos reflexos, paralisia,
tremor, sonolência, confusão mental, convulsão, depressão respiratória e
cardiovascular” explica a professora de Toxicologia da PUC-Campinas e
ex-Superintendente de Toxicologia da Anvisa, Silvia Cazenave.
Clorpirifós
Onde
costuma ser mais usado: banana, batata, cenoura, maçã, milho e tomate
“O Clorpirifós é um inseticida
usado na agricultura, sendo registrado para diversas culturas como maçã, milho,
banana e batata. Tem elevada persistência no ambiente e é retido fortemente no
solo”, explicou o pesquisador da Embrapa. Das 10.454 amostras colhidas pelo
PARA, em 22 alimentos, 946 amostras apresentaram fragmentos do composto.
Dessas, 343 amostras (3,28%) estavam irregulares. Os alimentos mais afetados
por esse agrotóxico são o tomate e a cenoura. O relatório aponta que nenhum
desses dois produtos pode ser cultivado com a utilização do Clorpirifós. Silvia
Cavenaze explica que os efeitos da substância no organismo são os mesmos do
Acefato. “Por também ser um organofosforado, ele pode ocasionar intoxicações
agudas”, aponta. A substância foi a 5ª mais vendida no Brasil em 2014, com um
total de 16.453 toneladas comercializados.
Carbendazim
Onde
costuma ser mais usado: arroz, feijão, milho e soja
Das 12.051 amostras feitas pelo
estudo do PARA, o Carbendazim apareceu em 2.553, significando 21% do total.
Desse total, 327 amostras foram consideradas irregulares. Das 2.553 amostras,
2226 estavam no limite permitido; 284 apresentaram resíduos não autorizados
para cultura e outras 43 porções ultrapassaram os LMR’s (Limites Máximos de
Resíduos). “O carbendazim é utilizado como fungicida, para o controle de
doenças fúngicas. É registrado para culturas de soja, milho, arroz, feijão e
tem persistência moderada de 40 dias”, diz Barizon. A professora Silvia
Cavenaze alerta que o fungicida pode provocar disfunções hepáticas, atingindo o
fígado. Ela enfatiza, no entanto, que esses efeitos não se manifestam em baixas
concentrações.
Para além dessas três
substâncias, o Brasil possui 504 agrotóxicos permitidos, segundo o estudo
“Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia²”
(2017), do Laboratório de Geografia Agrária da USP. Desse total, 30% é proibido
pela União Europeia. A pesquisa também evidencia como a legislação nacional é
permissiva na utilização de pesticidas. O acefato, por exemplo, tem um limite
de 0,3 mg/kg na União Europeia. No Brasil, a porção pode chegar a 1mg/kg, quase
4 vezes maior. O caso se repete com o Clorpirifós quando diluído na água (0,1µg/L
na UE, para 30 µg/L no Brasil – 300 vezes maior).
Enquanto não há uma resolução
acerca desse PL, a toxicologista Silvia Cavenaze lembra que uma das medidas
para diminuir o consumo de agrotóxicos é conhecer a procedência do produto. “A
prevenção ocorre, primeiramente, em se conhecer a origem do alimento. Depois,
através da diversificação, pois a variedade de alimentação diminui o risco de
contaminação química” conclui.
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