Há cada vez
mais evidências de que o universo é conectado por estruturas gigantescas
Cientistas estão descobrindo que
galáxias podem se mover junto com outras a enormes distâncias, e contra as
previsões de modelos cosmológicos básicos. A razão pra isso pode mudar tudo que
achamos que sabemos sobre o universo.
Por Becky Ferreira;
Traduzido por Marina Schnoor
A Via Láctea, a galáxia onde vivemos, é
uma das centenas de bilhões de galáxias espalhadas pelo universo. A variedade
delas é impressionante: espirais, galáxias anelares em forma de laços
cravejados de estrelas, e galáxias antigas que brilham mais que virtualmente
qualquer coisa no universo.
Mas apesar de suas diferenças, e da
distância insana entre elas, cientistas têm notado que algumas galáxias se
movem juntas em padrões estranhos e muitas vezes inexplicados, como se estivessem
conectadas por uma vasta força invisível.
Galáxias dentro de alguns milhões de
anos-luz umas das outras podem se afetar gravitacionalmente de maneiras
previsíveis, mas cientistas observaram padrões misteriosos entre galáxias
distantes que transcendem essas interações locais.
Essas descobertas sugerem a influência
enigmática das chamadas “estruturas de grande escala” que, como o nome sugere,
são os maiores objetos conhecidos no universo. Essas estruturas obscurecidas
são feitas de gás de hidrogênio e matéria escura, e tomam o formato de
filamentos, camadas e nós que ligam galáxias numa vasta teia chamada rede
cósmica. Sabemos que essas estruturas têm grandes implicações para a evolução e
movimentos das galáxias, mas mal arranhamos a superfície das dinâmicas que as
comandam.
Cientistas estão ansioso para adquirir
esses novos detalhes, porque partes desse fenômeno desafiam as ideias mais
fundamentais sobre o universo.
“Essa é a razão para todo mundo estar
sempre estudando essas estruturas em grande escala”, disse Noam Libeskind,
cosmógrafo do Instituto Leibniz de Astrofísica (ILA) na Alemanha, por telefone.
“É um jeito de investigar e restringir as leis da gravidade e natureza da
matéria, matéria escura, energia escura e do universo.”
Por que galáxias distantes estão se
movendo em uníssono?
Galáxias tendem a formar aglomerados
gravitacionais que pertencem a aglomerados ainda maiores. O endereço cósmico de
longo formato da Terra, por exemplo, teria que notar que a Via Láctea é parte
de um Grupo Local, uma gangue de dezenas de galáxias. O Grupo Local está dentro
do superaglomerado de Virgem, contendo mais de mil galáxias.
Nessas escalas mais “locais”, galáxias
frequentemente mexem com a rotação, formatos e velocidades angulares umas das
outras. Às vezes, uma galáxia até come outra, um evento conhecido como
canibalismo galático. Algumas galáxias mostram ligações dinâmicas por
distâncias grandes demais para serem explicadas por seus campos gravitacionais
individuais.
Por exemplo, um estudo publicado no The
Astrophysical Journal em outubro descobriu que centenas de galáxias
estavam rotacionando em sincronia com os movimentos de galáxias a dezenas de
milhões de anos-luz de distância.
“Essa descoberta é bem nova e
inesperada”, disse o líder do estudo Joon Hyeop Lee, astrônomo do Instituto
Coreano de Astronomia e Ciência Espacial, por e-mail. “Nunca vi relatórios
anteriores dessas observações, ou qualquer previsão de simulações numéricas,
exatamente relacionados com esse fenômeno.”
Lee e seus colegas estudaram 445
galáxias dentro de 400 milhões de anos-luz da Terra, e notaram que muitas
daquelas rotacionando em direção a Terra tinham vizinhos que estavam se movendo
em direção a Terra, enquanto aquelas que estavam rotacionando na direção oposta
tinham vizinhos se afastando da Terra também.
“A coerência observada deve ter alguma
relação com as estruturas de grande escala, porque é impossível que galáxias
separadas por seis megaparseques [aproximadamente 20 milhões de anos-luz]
interajam diretamente umas com as outras”, disse Lee.
Lee e seus colegas sugerem que as
galáxias sincronizadas podem estar incorporadas na mesma estrutura de grande
escala, que está lentamente rotacionando na direção anti-horária. Essa dinâmica
subjacente pode causar o tipo de coerência entre a rotação das galáxias
estudadas e o movimento de seus vizinhos, apesar dele ser cauteloso de que vai
ser preciso muito mais pesquisa para corroborar as descobertas e conclusões de
sua equipe.
Enquanto essa interação em particular
de galáxias estranhamente sincronizadas é algo novo, os cientistas têm
observado coerências estranhas entre galáxias em distâncias ainda mais
impressionantes. Em 2014, uma equipe observou alinhamentos curiosos de
buracos negros supermassivos no centro de quasares, que são galáxias antigas
ultraluminosas que se estendem por bilhões de anos-luz.
Liderado por Damien Hutsemékers, um
astrônomo da Universidade de Liège na Bélgica, os pesquisadores puderam
observar essa bizarra sincronia vendo o universo quando ele tinha apenas alguns
bilhões de anos, usando o Very Large Telescope (VLT) no Chile. As observações
registraram a polarização da luz de quase 100 quasares, que a equipe então usou
para reconstruir a geometria e alinhamento dos buracos negros em seus centros.
Os resultados mostraram que os eixos de rotação de 19 quasares nesse grupo eram
paralelos, apesar deles serem separados por muitos bilhões de anos-luz.
A descoberta, que foi publicada no
jornal Astronomy & Astrophysics, é um indicador de que as
estruturas de grande escala influenciam as dinâmicas das galáxias a grandes
distâncias nos primórdios do universo.
“Sabemos que eixos de rotação de uma
galáxia se alinham com estruturas de grande escala como filamentos cósmicos,
mas isso ocorre em escalas menores”, Hutsemékers disse por e-mail, apontando
que estudos teóricos propuseram algumas explicações interessantes para esse
processo.
“No entanto, atualmente não há
explicação para por que os eixos dos quasares estão alinhados com os eixos do grupo
maior onde eles estão incorporados”, ele apontou.
A verdade por trás das galáxias
sincronizadas pode mudar tudo
O segredo dessas galáxias sincronizadas
pode colocar uma ameaça para o princípio cosmológico, uma das suposições
básicas sobre o universo. Esse princípio afirma que o universo é basicamente
uniforme e homogêneo em escalas extremas. Mas a “existência de correlações em
eixos de quasares em escalas tão tremendas constitui uma anomalia séria para o
princípio cosmológico”, como Hutsemékers e seus colegas apontam em seu estudo.
No entanto, Hutsemékers alerta que mais
dessas estruturas precisam ser notadas e estudas para provar essa ruga séria no
princípio cosmológico. “Outras estruturas similares são necessárias para
confirmar uma anomalia real”, ele disse.
No momento, as dinâmicas por trás
dessas posições de quasares não são bem entendidas porque há poucas técnicas de
observação para refiná-las. “Até onde alinhamentos de grande escala vão,
estamos basicamente esperando por mais dados”, disse Hutsemékers. “Tais estudos
são estatísticos e um passo adiante exigiria uma grande porção de dados de
polarização, que não são fáceis de reunir com os instrumentos atuais.”
Futuros grandes radiotelescópios, como
o Square Kilometre Array, podem conseguir investigar esses alinhamentos
misteriosos com mais detalhes.
“Uma das
coisas mais incríveis sobre a ciência é que você pode ter um modelo construído
com milhares de pedaços de dados, mas se um não se encaixa ele começa a rachar.
Essas rachadura precisa ser selada ou vai fazer a casa toda desmoronar.”
Alinhamentos de quasares não são os
únicos obstáculos que galáxias estranhamente sincronizadas apresentam para os
modelos estabelecidos do universo. Na verdade, um dos debates mais polêmicos na
cosmologia hoje em dia se centra no jeito inesperado como galáxias anãs parecem
se alinhar perfeitamente ao redor de galáxias hospedeiras como a Via Láctea.
Essas galáxias satélites atualmente são
uma pedra no sapato do que é conhecido como modelo ΛCDM, que é uma linha do tempo teórica do
universo desde o Big Bang. Simulações do universo sob o
modelo ΛCDM preveem que pequenas galáxias satélites vão acabar num enxame de
órbitas aleatórias cercando galáxias hospedeiras maiores.
Mas na última década, novas observações
revelaram que um grande aglomerado de galáxias satélites ao redor da Via Láctea
estão sincronizados em um plano orbital organizado. Primeiro, os cientistas
imaginaram que isso simplesmente significava que algo estranho estava
acontecendo com nossa própria galáxia, mas um plano similar de satélite foi
observado depois ao redor de Andrômeda.
Os alarmes começaram a tocar realmente
em 2015, quando astrônomos publicaram observações do
mesmo fenômeno uma terceira vez ao redor de Centaurus A, uma galáxia elíptica a
cerca de 10 milhões de anos-luz da Via Láctea.
Essa descoberta “sugere que algo está
errado com as simulações cosmológicas padrões”, segundo um estudo subsequente de 2018 na Science, liderado por Oliver Müller,
astrônomo da Universidade de Estrasburgo na França.
“No momento, observamos isso em três
das galáxias mais próximas”, Müller disse por telefone. “Claro, você sempre
pode dizer que são apenas essas três, então não é algo estatístico ainda. Mas
isso mostra que toda vez que temos bons dados, encontramos o mesmo, então pode
ser universal.”
Num estudo de 2015, Libeskind e seus colegas
sugeriam que filamentos na rede cósmica poderiam estar guiando essas galáxias
organizadas, um processo que pode ser coerente com o modelo ΛCDM. Mas ainda não
há uma resposta conclusiva para esse dilema.
“Uma das coisas mais incríveis sobre a
ciência é que você pode ter um modelo construído com milhares de pedaços de
dados, mas se um não se encaixa ele começa a rachar”, disse Libeskind. “Essas
rachadura precisa ser selada ou vai fazer a casa toda desmoronar.”
A próxima geração de pesquisas
galáticas
Essa incerteza tentadora tem motivado
astrônomos como Marcel Pawlowski, do Programa Schwarzschil do ILA e coautor do
estudo de 2018 da Science, a tornar esse problema o foco de suas
pesquisas. Pawlowski está esperando dados da próxima geração de grandes
observatórios de 30 metros, que podem mostrar se outras grandes galáxias estão
cercadas por padrões isotrópicos ou organizado de galáxias satélites.
“O que precisamos fazer agora é
expandir nossa busca por sistemas satélites mais distantes, e encontrar
galáxias satélites além de medir suas velocidades”, disse Pawlowski por
telefone.
“O campo está realmente avançando por
causa desse debate acontecendo na literatura”, acrescentou Pawlowski. “Será
muito bom ver como essas evidências observacionais se tornam mais e mais
sólidas.”
Seja esse estranho movimentos das
galáxias anãs na nossa própria vizinhança galática ou o bizarro alinhamento de
galáxias a milhões e bilhões de anos-luz, está claro que a dança das galáxias é
a chave para destrancar as estruturas de grande escala do universo.
As galáxias que vemos capturadas em
posições estáticas em belas fotos de campo profundo, na verdade são guiadas por
muitas forças complexas que ainda não entendemos completamente, incluindo a
rede cósmica que sustenta o universo.
“O que realmente gosto em tudo isso é
que ainda estamos numa fase pioneira”, disse Müller. “É muito emocionante.”
Matéria originalmente publicada na VICE
EUA.
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