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Vale: uma empresa sem rosto
Por CdB em novembro
20, 2015
Por Maria Fernanda Arruda – do Rio de Janeiro:
A antiga Vale do Rio Doce, hoje apenas Vale, é uma empresa sem rosto,
embora esteja sempre presente nos meios de comunicação, a contar sobre a sua
força econômica, associada a preocupações sociais. A hecatombe de Mariana
revelou que, tal como o deus Jano, não possui apenas essa face jovem e pujante,
mas também uma cara sórdida. E sobre ela, conhecendo muito pouco, precisamos
saber mais.
Maria Fernanda Arruda
Já em 2008, a construção de uma imensa siderúrgica, uma termelétrica a
carvão altamente poluente e um porto privado da CSA (Companhia Siderúrgica do
Atlântico) de propriedade da empresa alemã Thyssen-Krupp e da privatizada
Companhia Vale do Rio Doce, situada no bairro de Santa Cruz, Zona Oeste carioca,
provocava incalculáveis danos ambientais, prejuízos à pesca artesanal e
violação de direitos trabalhistas e humanos. Somente após mais de dois anos de
sucessivas denúncias a diversos órgãos públicos estaduais e federais feitas por
pescadores, ecologistas, diversas entidades e movimentos sociais e técnicos, estas
graves irregularidades começam finalmente a ser averiguadas e constatadas.
Embora monstruosamente poluidor, esse projeto da Vale jamais foi acusado.
A quem interessaria a denúncia? O megaprojeto já provocou inúmeras
mortes, vários corpos abandonados, resgatados, trabalhadores não têm registro e
são submetidos a regime de trabalho escravo; mão-de-obra chinesa, mais barata,
é importada. Essas obras poluidoras estão sendo financiadas pelo BNDES-Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e fazem parte do PAC-Programa de
Aceleração do Crescimento do governo federal e do IIRSA (Iniciativa para a
Integração Regional da Infraestrutura Sul-Americana). A quem interessaria a
denúncia?
Quem denuncia é um cientista, Sérgio Ricardo, que explica em detalhe: “A
licença ambiental da CSA é absolutamente ilegal. Desde o início do processo de
licenciamento questionamos o projeto desta mega siderúrgica poluidora na frágil
Baía de Sepetiba. Infelizmente, todos os documentos técnicos que escrevemos e
protocolamos junto aos diversos órgãos públicos denunciando os possíveis crimes
ecológicos deste empreendimento estão sendo confirmados somente agora pelo
Ministério Público Federal (MPF). Faltou transparência no licenciamento, as
leis ecológicas foram desrespeitadas.”
Marabá, município criado em 1913, completou seu centenário, comemorando
o pior que lhe aconteceu: a instalação da Vale, que inferniza a vida de 250 mil
pessoas com o seu Projeto Grande Carajás. Em maio de 2015, com apoio do MTST, a
Estrada de Ferro Carajás foi ocupada, colocando-se obstáculos sobre a via e
ateando-se fogo aos trilhos. Enquanto isso, um outro grupo, de 3000 pessoas,
invadia a área destinada ao projeto Aços Laminados do Pará.
A Vale, juntando-se a ela o IBAMA e a FUNAI praticaram enormes
irregularidades no processo de licenciamento para instalação da Estrada de
Ferro Carajás, a Justiça Federal tendo até mesmo concedido liminar que
suspendia a licença irregular. De acordo com a denúncia dos indígenas afetados,
a duplicação da ferrovia sem consulta prévia aos povos indígenas, tornava-se
insustentável.
A decisão judicial também proibiu a Vale de negociar diretamente com os
índios ou “enviar bens”, durante a realização do período de consulta prévia às
lideranças indígenas. A suspensão foi determinada para o trecho entre os
quilômetros 274 e 326 da ferrovia, em Alto Alegre do Pindaré (MA). O MPF alega
que os awá-guajá são um dos poucos grupos indígenas ainda quase isolados do
País, preservando um “estilo de vida distinto e autônomo”. Além disso, o órgão
cita uma análise pericial realizada na região em 2013, a qual concluiu que a TI
Caru estaria sendo invadida e ameaçada por não índios, além de projetos de
mineração (MPF/MA, 22/05/2015). Em termos simples: a Vale, habituada a comprar
os cara-pálida, generalizou a sua imoralidade.
A instalação inadequada do porto de Tubarão, com sua usina de pellets
marcou o começo da prática de crimes ambientais da VALE no Estado do Espírito
Santo. Como essa situação evoluiu? À Vale juntaram-se a Acelor-Mittal e a
Aracruz Celulose, somando recursos financeiros que elegem a Assembleia
Legislativa e a bancada da indústria da poluição no Congresso Nacional. A quem
interessaria denunciar?
A Vale foi eleita a pior empresa do mundo em respeito à natureza e aos
direitos humanos, em votação promovida na internet pelas ONGs Berne Declaration
e Greenpeace. De 88 mil votos, a mineradora brasileira ficou com 25 mil, cerca
de 800 mais que a segunda colocada, a japonesa Tepco, maior companhia energética
de seu país e dona das usinas nucleares de Fukushima, afetadas pelo terremoto e
o tsunami de 2011.
Após o tsunami de lama, o Rio Doce foi atingido e sua extensão até o mar
Absolutamente previsível ‘Mariana’, se corretamente investigada pela
Polícia Federal, deveria levar à cadeia os diretores da Vale e
com ele as autoridades que pactuaram com ele. E como ficariam o Governo do
Estado de Minas Gerais, os anteriores, a Presidência da República, a atual e os
anteriores?
Quanto aos diretores da Empresa assassina, basta atentar para as suas
caras e pelas declarações feitas (a primeira delas: essa lama não é tóxica; a
mais recente: as outras barragens também podem ceder) e a conclusão será
imediata: são débeis mentais, testas-de-ferro de quem manda mesmo no crime, do
capo que comanda a famiglia. Onde ele está? Em Brasília?
Todos nós sabemos sobre o crime de FHC. Ele teria privatizado a Vale, a
preço vil, dando-a de presente ao capital estrangeiro. Vendeu o que não podia
vender. Não se contentou com o crime do leilão em si. Além de ter obtido
informações privilegiadas, o Bradesco, às vésperas do leilão, financiou
debêntures de empresas que controlavam a Elétron (Valetron e a Belapart,
ligadas ao Opportunity e ao Sweet River). Um grande saco de interesses, onde
todos couberam. Na “ordem” financeira mundial há hierarquia, e o leilão foi de
cartas marcadas. Levaria a CVRD quem “atraísse” os fundos de pensão das
estatais, através do Executivo federal e da corrupção.
Vislumbrado o rosto da Vale, aquele que o seu Marketing não revela,
tornam-se compreensíveis: a aceitação de seus diretores, quando revivem a
fábula do leão e do cordeiro: foi o solo brasileiro que provocou a hecatombe,
não foi a hecatombe que destruiu solo brasileiro; a Presidenta da República não
tem necessidade de visitar aquilo que tem por obrigação conhecer (pois gestora
da Vale); o governador de Minas Gerais e os Ministros de Estado devem
fidelidade à controladora da Vale, não ao povo. E, later, but not
latest, compreenda-se que a Presidência esteja empenhada em minimizar
os custos para a Vale, na indenização pelos prejuízos que alegam ter sido
provocados por culpa sua.
Lastimável, mas Mariana está repetindo o que já aconteceu: em Sepetiba,
em Marabá, os que morrem lá já morreram, moendo amianto, assassinados pelos
trabuqueiros de Katia Abreu; as águas envenenadas no rio Doce repetem o envenenamento
dos alimentos promovido pelos agroindustriais transgênicos.
Maria Fernanda Arruda é
escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre
às sextas-feiras.