28 junho, 2018

Humanos escrevem algoritmos...


Finalmente lançaram um app de reconhecimento facial que não é racista

Pude comprovar que o recurso Art Selfie, do Google, reconhece com veracidade os traços físicos de pessoas negras.











 Print do aplicativo. Acervo pessoal 


Faço parte da geração em que selfie é rotina. Olhou pro lado, se não sou eu, tem outra pessoa se posicionando na frente do celular para tirar um auto-retrato.

Pode parecer vaidade ou algo fútil para muita gente, mas vale lembrar que, muito antes de nós, artistas como Gauguin e Van Gogh também curtiam à beça olhar os detalhes de si mesmo em várias situações. Diria que é algo quase instintivo e que, como cientistas andam dizendo por aí, pode melhorar nossa autoestima.

O Google aproveitou essa onda dentro do aplicativo Arts and Culture e liberou aos brasileiros, nesta quinta, a função Art Selfie, que nada mais é que comparar sua selfie com obras de centenas de museus espalhados pelo mundo.

Como a ansiedade fala mais alto, baixei logo para ver no que iria dar. Confesso que as expectativas não eram das melhores. Eu, afinal, sou negro e a grande maioria dos aplicativos de reconhecimento facial possui algoritmos que trabalham para não reconhecerem traços negros e asiáticos.

Os exemplos desse racismo tecnológico são muitos: podemos falar da vez em que as webcams da HP detectaram um rosto branco com facilidade e apresentaram dificuldades em reconhecer um rosto negro; ou quando o reconhecimento de imagem do próprio Google categorizou dois amigos negros como "gorilas".

Minha previsão mais otimista era que o aplicativo ofereceria obras com retratos de tons de pele mais claro que a minha. Quando acessei, porém, fiquei surpreso com a semelhança nos tons e, no meu caso, até houve uma comparação com um quadros onde o desenho são mulheres, o que achei ótimo.

Muita gente fala que carrego traços indianos. Mais uma vez, amei.

No mesmo dia que baixei o app, amigos, também negros, fizeram o mesmo e ficaram tão contente quanto eu. E de novo, a semelhança estava lá: sem distorções da cor de pele e traçados.

O lance de tudo isso é sacar o quanto a representatividade é mais que necessária e deve ser imperativo num contexto onde ainda é preciso quebrar o machismo, racismo e todos os preconceitos que soam autoritários. E não tem nada mais chique do que ser comparado a uma obra de arte, não é mesmo?


https://www.vice.com/pt_br/article/ywexmm/finalmente-lancaram-um-app-de-reconhecimento-facial-que-nao-e-racista

02 junho, 2018

Veneno na comida


Como os agrotóxicos agem no seu corpo?


mai 28 2018, 1:41pm

Projeto de Lei em discussão na Câmara dos Deputados pode aumentar quantidade de pesticidas na sua alimentação. Investigamos os efeitos das três substâncias encontradas além do permitido nos pratos do Brasil.







Um típico PF bem servido estava à espera de Jorge, 43 anos, em um bar do centro de São Paulo, enquanto ele terminava uma conversa amigável com um dos garçons do estabelecimento. Antes de concluir a primeira garfada, o assessor contábil, ao ser questionado pela reportagem da VICE, disse não fazer ideia sobre quais produtos foram usados na produção dos alimentos que em poucos segundos invadiriam o seu organismo. Jorge não é o único a desconhecer como os agrotóxicos estão inseridos no que consumimos todos os dias. A depender do Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados e que pode ser votado na próxima terça-feira (29), em Brasília, a situação pode ficar ainda pior.

O “Pacote do Veneno”, como ficou conhecido o PL nº 6299/2002, é de autoria do atual Ministro a Agricultura, Blairo Maggi (PP-MT). Desde 2015, a proposta voltou a ser objeto de discussão, com relatoria do deputado Luiz Nishimori (PP-PR), que pertence a bancada ruralista. As mudanças na Lei dos Agrotóxicos, criada em 1989, prevê a centralização das competências de normatização, registros e avaliação destinadas ao Ministério da Agricultura. Atualmente, essas tarefas são destinadas a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Outro ponto de discórdia está na liberação dos pesticidas. Pelo novo texto, um produto poderá ser registrado de maneira temporária, sem avaliação das agências reguladoras brasileiras, caso tenha sido utilizado por ao menos três países pertencentes a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A nomenclatura também vai mudar: sai “agrotóxico”, entra “defensivo fitossanitário”.

Entidades como a Anvisa, o Ibama e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) manifestaram-se contra a medida, alegando risco à condição humana no uso excessivo de agrotóxicos. Para entender melhor o que está acontecendo, a VICE consultou dois pesquisadores para mostrar como três substâncias encontradas além do permitido no último relatório produzido pelo PARA (Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos)¹, entre 2013 e 2015, podem atuar no organismo.



Acefato

Onde costuma ser mais usado: melão, tomate e soja.

Detectado irregularmente em 18 dos 25 alimentos apontados no relatório, o Acefato já foi proibido em mais de 30 países (28 só na União Europeia), de acordo com a PAN (Pesticide Action Network International). “O acefato é um inseticida amplamente utilizado na agricultura para o controle de pragas e é registrado para culturas importantes como tomate, soja, algodão e melão. Tem degradação rápida, transformado-se em outro inseticida, o metamidofós. Está entre as 10 moléculas mais comercializadas no Brasil”, afirma o pesquisador Robson Barizon, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e doutor em Agronomia pela USP. Em 2013, a Anvisa proibiu a aplicação do Acefato em estufas, de “forma manual ou costal”, assim como “o banimento nas culturas de cravo, crisântemo, fumo, pimentão, rosa e tomate de mesa”. “O acefato, quando utilizado acima do nível permitido, pode causar uma intoxicação aguda: náuseas, vômito, dor abdominal, diarreia, cianose, hipotensão, câimbras, diminuição dos reflexos, paralisia, tremor, sonolência, confusão mental, convulsão, depressão respiratória e cardiovascular” explica a professora de Toxicologia da PUC-Campinas e ex-Superintendente de Toxicologia da Anvisa, Silvia Cazenave.

Clorpirifós

Onde costuma ser mais usado: banana, batata, cenoura, maçã, milho e tomate

“O Clorpirifós é um inseticida usado na agricultura, sendo registrado para diversas culturas como maçã, milho, banana e batata. Tem elevada persistência no ambiente e é retido fortemente no solo”, explicou o pesquisador da Embrapa. Das 10.454 amostras colhidas pelo PARA, em 22 alimentos, 946 amostras apresentaram fragmentos do composto. Dessas, 343 amostras (3,28%) estavam irregulares. Os alimentos mais afetados por esse agrotóxico são o tomate e a cenoura. O relatório aponta que nenhum desses dois produtos pode ser cultivado com a utilização do Clorpirifós. Silvia Cavenaze explica que os efeitos da substância no organismo são os mesmos do Acefato. “Por também ser um organofosforado, ele pode ocasionar intoxicações agudas”, aponta. A substância foi a 5ª mais vendida no Brasil em 2014, com um total de 16.453 toneladas comercializados.

Carbendazim

Onde costuma ser mais usado: arroz, feijão, milho e soja

Das 12.051 amostras feitas pelo estudo do PARA, o Carbendazim apareceu em 2.553, significando 21% do total. Desse total, 327 amostras foram consideradas irregulares. Das 2.553 amostras, 2226 estavam no limite permitido; 284 apresentaram resíduos não autorizados para cultura e outras 43 porções ultrapassaram os LMR’s (Limites Máximos de Resíduos). “O carbendazim é utilizado como fungicida, para o controle de doenças fúngicas. É registrado para culturas de soja, milho, arroz, feijão e tem persistência moderada de 40 dias”, diz Barizon. A professora Silvia Cavenaze alerta que o fungicida pode provocar disfunções hepáticas, atingindo o fígado. Ela enfatiza, no entanto, que esses efeitos não se manifestam em baixas concentrações.

Para além dessas três substâncias, o Brasil possui 504 agrotóxicos permitidos, segundo o estudo “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia²” (2017), do Laboratório de Geografia Agrária da USP. Desse total, 30% é proibido pela União Europeia. A pesquisa também evidencia como a legislação nacional é permissiva na utilização de pesticidas. O acefato, por exemplo, tem um limite de 0,3 mg/kg na União Europeia. No Brasil, a porção pode chegar a 1mg/kg, quase 4 vezes maior. O caso se repete com o Clorpirifós quando diluído na água (0,1µg/L na UE, para 30 µg/L no Brasil – 300 vezes maior).

Enquanto não há uma resolução acerca desse PL, a toxicologista Silvia Cavenaze lembra que uma das medidas para diminuir o consumo de agrotóxicos é conhecer a procedência do produto. “A prevenção ocorre, primeiramente, em se conhecer a origem do alimento. Depois, através da diversificação, pois a variedade de alimentação diminui o risco de contaminação química” conclui.

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